O FBI se orgulha da cooperação internacional para combate à corrupção no Brasil, que aponta como exemplo para o mundo inteiro. O órgão do governo americano reforçou o time que investiga possíveis casos de corrupção em solo brasileiro em 2014, antes de a operação "lava jato" se tornar conhecida do grande público.
A cooperação internacional levou, por exemplo, a “lava jato” - investigação que levou diversos empresários para a prisão e é tida como fator decisivo para o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff - a cerca de 50 países.
Em 2014, em uma reunião do grupo anticorrupção da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), em Paris, representantes do Brasil falaram sobre esforços que estavam sendo feitos para combater a corrupção no país. Foi aí que os Estados Unidos resolveram ampliar a equipe no Brasil especializada em Foreign Corrupt Practices Act (FCPA) - lei de combate à corrupção no exterior.
A “Convenção sobre o Combate à Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais” da OCDE, da qual o Brasil é signatário, prevê um mecanismo aberto de monitoramento ponto-a-ponto, ou seja, pelos órgãos de investigação dos países membros. Em reuniões semestrais, representantes desses países trocam informações e impressões. Foi numa dessas que os brasileiros apontaram a ponta do iceberg que vislumbravam e pediram suporte.
Reunidos em evento em São Paulo nesta semana, funcionários e ex-funcionários do FBI e do Departamento de Justiça dos EUA (DOJ) - equivalente ao Ministério Público - e advogados discutiram investigações internacionais e práticas de compliance. O evento foi organizado pelo escritório internacional CKR Law, que está se estabelecendo no Brasil, pelo Comitê Brasileiro da Câmara de Comércio Internacional e pelo Demarest Advogados.
Especialistas do departamento de Justiça dos EUA e do FBI tratam com certa naturalidade o compartilhamento de provas entre países sem a necessidade de passar pela burocracia exigida para compartilhamento de provas processuais. Vale lembrar que este é um ponto muito criticado na “lava jato” desde seu começo, como no caso apontado pela ConJur, em que o procurador da República Deltan Dallagnol trouxe da Suíça informações sobre contas de investigados, de forma ilegal).
George “Ren” McEachern, que, até dezembro, liderava a equipe de combate à corrupção internacional do FBI, é claro em sua explicação: “A troca de informações e dados é feita o tempo inteiro entre investigadores. Só quando essas informações precisam ser usadas em um processo é preciso validá-las, com um ‘MLAT’. O “MLAT”, no caso, é o tratado entre países para troca de informações e provas na área criminal.
A melhor prática, diz, é a troca de inteligência entre os países, para saber exatamente o que é possível em um MLAT. Desde dezembro, McEachern passou a atuar na consultoria internacional Exiger, especializada em compliance, governança e risco.
“O compartilhamento informal [de informações] é essencial para adaptar investigações rapidamente”, diz Robert Appleton, ex-DOJ e atual advogado da CKR Law, especialista em crimes do colarinho branco. No caso de provas a serem usadas judicialmente, “o pedido de MLAT passa por um processo formal, cuidadosamente escrutinado, que depende de revisões muito profundas de ambos os governos envolvidos.”
Os pedidos oficiais de compartilhamento de provas têm outra utilidade, segundo os especialistas: serve para chamar a atenção do outro governo de que um crime envolvendo seu país está sendo investigado. Assim, quem recebe um pedido de cooperação na área criminal passa, quase que automaticamente, a investigar também aquele caso, tendo o pedido servido como catalisador.
E essas conexões entre investigadores de vários países não são difíceis de se fazer, explicam especialistas ouvidos pela ConJur. Como são poucas pessoas que especializadas em investigar a corrupção nos governos, bastam algumas ligações.
Na visão do governo americano, ele passou a ter uma espécie de jurisdição mundial para investigar casos de corrupção com base FCPA - lei de combate à corrupção no exterior. Trocando em miúdos, segundo a norma, qualquer um que tenha operado dólares ou com empresas americanas, passa a responder também nos EUA se estiver envolvido em casos de corrupção. “A princípio, eram problemas comerciais, empresas tiram outras do mercado usando corrupção. Mas passou a ser uma questão muito mais importante quando identificamos uma relação profunda do dinheiro da corrupção com o financiamento do terrorismo, por exemplo”, explica Appleton, que foi mediador do debate.
Prisões e delações
Outro ponto polêmico da operação “lava jato”, a quantidade de prisões e delações também é elogiada pelos americanos. Colocar pessoas atrás das grandes durante a investigação, dizem, aumentou o número de pessoas dispostas a fazer delações premiadas. Ainda que o MPF e o juiz Sergio Moro, responsável pelo caso na primeira instância em Curitiba, neguem constantemente que as prisões são feitas para forçar delações.
As delações, nos EUA chamadas plea bargain, são ferramentas extremamente importantes na Justiça Criminal americana, diz Appleton, mas ele faz a ressalva de que a grande maioria dos casos investigados não caminha por falta de provas. “Não basta o delator acusar, ele precisa apresentar documentos, gravações, fatos. Por isso, às vezes, o melhor é ir com cuidado nos casos, pois a acusação só terá um tiro a disparar”, aconselha.
Hoje do outro lado do balcão, Appleton avalia que as empresas que buscam seu serviço muitas vezes acreditam que é questão de sorte tornarem-se alvos de investigação, mas garante que não é. Muitas vezes, diz, investigações correm por anos até que o investigado saiba. Por isso, o melhor é criar um programa efetivo, que, se não necessariamente evite 100% a prática de corrupção, consiga dar uma resposta rápida para os casos que aparecerem. Isso também porque a janela de oportunidade para fazer um acordo costuma ser rápida.