De acordo com relatório de 2017 da consultoria We Are Social, cerca de 58% da população brasileira possui contas ativas nas principais redes sociais do planeta. São mais de 100 milhões de brasileiros participando de plataformas como Facebook, Twitter e Instagram.
Essa redes se tornaram uma importante fonte de expressões, tendências de comportamento e conflitos. Normalmente sem controle prévio, essas plataformas permitem que o usuário publique informações e opiniões, muitas vezes de forma anônima.
Com a crescente expansão das interações em ambientes virtuais, o Brasil precisou estabelecer paradigmas de responsabilização e de conduta para os diversos atores do mundo on-line, como usuários e provedores de conteúdo. O exemplo mais recente ocorreu em 2014, com o início da vigência da Lei do Marco Civil da Internet. A nova lei fixou princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da internet no país.
De forma concomitante, os tribunais brasileiros têm dedicado atenção especial à interpretação da legislação e das novas situações de conflito na rede. No Superior Tribunal de Justiça, as discussões costumam estar relacionadas a temas como a responsabilidade dos provedores de internet pelo conteúdo gerado por usuários, a remoção das publicações ofensivas e a fixação de indenização pelos danos causados.
Por meio de pelo menos 98 acórdãos, reunidos na ferramenta Pesquisa Pronta, o tribunal já fixou entendimentos jurisprudenciais sobre esses assuntos.
Responsabilidade subjetiva
Ao analisar em recurso especial a responsabilidade da Google Brasil por conteúdo adulterado postado no YouTube contra candidato a prefeito, a ministra Nancy Andrighi destacou a complexidade das discussões que envolvem a responsabilidade civil dos provedores de aplicações, pois, em tese, não se examina uma suposta ofensa causada diretamente pelo provedor, mas sim pelos usuários. Segundo a ministra, as dificuldades são ainda maiores quando os provedores não exercem controle prévio sobre as publicações (REsp 1.641.133).
Na maioria dos casos, explicou a ministra, o STJ tem aplicado a tese da responsabilidade subjetiva, segundo a qual o provedor de aplicação torna-se responsável solidário pelo conteúdo inapropriado publicado por terceiros se, ao tomar conhecimento da lesão, não tomar as providências necessárias para a remoção.
Todavia, após o início da vigência do Marco Civil, o marco temporal para atribuição da responsabilidade do provedor foi deslocado da comunicação realizada pelo usuário para a notificação efetuada pelo Poder Judiciário, após a provocação do ofendido. A modificação guarda relação com o artigo 19 da lei, que dispõe que o provedor de aplicações só pode ser responsabilizado por danos decorrentes do conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar providências para remover o conteúdo apontado como infringente.
Ineficiência
Em sentido semelhante, durante o julgamento de outro recurso da Google, o ministro Villas Bôas Cueva explicou que é comum a existência de ferramentas de denúncia disponibilizadas pelos próprios provedores, o que deveria sugerir uma segurança mínima contra usuários mal-intencionados. Contudo, a grande maioria das denúncias são rejeitadas com base em uma resposta tipo padrão.
Segundo o ministro, a aparente ineficiência dos provedores não justifica sua imediata responsabilização, pois, caso todas as denúncias fossem acolhidas, haveria o risco de censura, com violação da liberdade de expressão e pensamento assegurada pelo artigo 220 da Constituição Federal.
“Não se pode exigir dos provedores que determinem o que é ou não apropriado para divulgação pública. Cabe ao Poder Judiciário, quando instigado, aferir se determinada manifestação deve ou não ser extirpada da rede mundial de computadores e, se for o caso, fixar a reparação civil cabível contra o real responsável pelo ato ilícito”, apontou o ministro.
Indicação de URL
Também com base no artigo 19 do Marco Civil da Internet, em agosto, a Terceira Turma decidiu que a falta de informações precisas sobre o endereço eletrônico (URL) no qual foram postadas ofensas inviabiliza o cumprimento de decisão judicial para retirada do conteúdo (REsp 1.629.255).
No caso analisado, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais havia entendido ser suficiente a indicação do nome completo do ofensor para que o Facebook retirasse as mensagens do site. Todavia, para a turma, o Judiciário não poderia repassar ao provedor a tarefa de analisar e filtrar as mensagens, dada a exigência, conforme o texto legal, da necessidade da “identificação clara e específica” do conteúdo supostamente ofensivo.
“A necessidade de indicação do localizador URL não é apenas uma garantia aos provedores de aplicação, como forma de reduzir eventuais questões relacionadas à liberdade de expressão, mas também é um critério seguro para verificar o cumprimento das decisões judiciais que determinarem a remoção de conteúdo na internet”, concluiu a ministra Nancy Andrighi ao acolher o recurso do Facebook.
Valores de indenização
Nas situações em que há o reconhecimento da responsabilidade dos provedores pela publicação de conteúdo impróprio, com o consequente arbitramento de indenização por danos morais, os provedores costumam discutir o caráter exorbitante ou desproporcional da condenação.
Em um desses casos, a Google Brasil foi condenada ao pagamento de R$ 100 mil a título de danos morais a mulher que teve fotos de conteúdo sexual explícito publicadas na extinta rede social Orkut. Para o Google, o valor da condenação era excessivo e configuraria enriquecimento sem causa em favor da ofendida.
Entretanto, o ministro João Otávio de Noronha apontou que o tribunal de origem fixou a indenização em decorrência da inércia do provedor em retirar conteúdo sexual. Além disso, destacou o ministro, a revisão do valor de indenização fixado em segunda instância só poderia ser feita em recurso especial pelo STJ caso o montante fosse considerado exorbitante ou ínfimo, o que foi afastado no caso julgado, em virtude do grave dano à imagem e à honra da mulher.
“Inequívoca a situação vexatória e o dano moral de grave intensidade, os quais foram estendidos pela inércia da recorrente, não se vislumbra que o valor arbitrado tenha gerado enriquecimento ilícito à recorrida”, concluiu o ministro.