Entre as mais de 4,5 mil medidas analisadas pela presidência do Superior Tribunal de Justiça durante o recesso do Judiciário, muitas eram pedidos de liberdade ou de progressão apresentados em defesa de presos submetidos a regime penal mais rigoroso do que aquele previsto em lei. Esta é uma situação que acaba por agravar o problema da superlotação dos presídios, ponto crítico do sistema penitenciário brasileiro.
Embora a 5ª e a 6ª Turma do STJ não considerem adequada a impetração de Habeas Corpus substitutivo de Recurso Ordinário ou de Recurso Especial, a presidente do tribunal, ministra Laurita Vaz, segue o entendimento de que é cabível a concessão desta ação constitucional de ofício, nesses casos, quando verificada ilegalidade flagrante.
No caso de presos submetidos a regime mais rigoroso do que o estabelecido na legislação, sem fundamentação individualizada que o justifique, a ministra concedeu liminares “por estarem configurados a plausibilidade jurídica do pedido e o perigo na demora”.
Súmula violada
No HC 384.910, por exemplo, discutiu-se o caso de um cidadão condenado pelo roubo de um aparelho celular, em outubro de 2015, à pena de quatro anos de prisão, em regime inicial aberto. Entretanto, o Tribunal de Justiça de São Paulo deu provimento à apelação do Ministério Público para que fosse fixado o regime inicial fechado.
A defesa impetrou HC no STJ contra a decisão do tribunal paulista, alegando violação à Súmula 440. Para a presidente do tribunal, ficou patente o constrangimento ilegal sofrido pelo réu, em razão do estabelecimento do regime carcerário mais gravoso, “porque não houve, no ponto, substancialmente, a indicação de uma única circunstância concreta que justifique tal fato”.
Recrudescimento ilegal
De acordo com Laurita Vaz, o pena não deve ser agravada na primeira fase da dosimetria dentro das seguintes circunstâncias: pena-base fixada no mínimo legal, se a conduta não está além da gravidade inerente ao tipo penal, e se o réu é primário.
Nesse sentido, quando o condenado não é reincidente, e a pena é a igual ou inferior a quatro anos, “poderá, desde o início, cumpri-la em regime aberto”, afirmou a ministra. E acrescentou: “A determinação do regime inicial de cumprimento da pena far-se-á com observância dos critérios previstos no artigo 59” do Código Penal.
Nos últimos dias, entendimentos semelhantes foram proferidos nas cautelares referentes aos HCs 384.829 e 384.999. Em todos, a ministra entendeu ser aplicável a Súmula 440, que não admite a fixação do regime prisional fechado com base apenas na gravidade abstrata do delito.
Constrangimento evidente
Em outro caso (HC 385.101), o réu foi preso em flagrante pelo roubo de uma motocicleta, utilizando-se de arma de fogo. Ele foi condenado à pena de 5 anos e 6 meses de reclusão, em regime inicial fechado, e ao pagamento de 13 dias-multa.
A defesa apelou sem sucesso ao TJ-SP. Em Habeas Corpus impetrado no STJ, pediu a redução da pena e a fixação do regime inicial semiaberto. A presidente afirmou que, com relação à dosimetria da pena, a questão “requer aprofundado exame das circunstâncias fático-jurídicas analisadas pelas instâncias ordinárias”, devendo ser decidida “após a tramitação completa do feito”.
Laurita Vaz considerou, porém, que existe “evidente constrangimento” quanto ao regime prisional, estabelecido em razão da gravidade abstrata da conduta, “o que é vedado”. Ela lembrou que, conforme o disposto no artigo 33, parágrafo 2º, alínea b, do Código Penal, “o condenado não reincidente, cuja pena seja superior a quatro anos e não exceda a oito, poderá, desde o princípio, cumpri-la em regime semiaberto”.
Motivação necessária
A ministra decidiu de maneira semelhante no HC 384.922, que também envolvia o roubo de uma motocicleta, e no HC 385.058. Neste último, dois homens cumpriam pena em regime fechado pelo roubo de diversas peças de roupa, um aparelho celular, três relógios, um violão, uma aliança e um automóvel, com emprego de arma de fogo.
Laurita Vaz ressaltou que o Supremo Tribunal Federal possui diversos julgados no mesmo sentido, fato que guiou a edição das Súmulas 718 e 719, que exigem motivação idônea para a imposição de regime mais severo do que o permitido por lei, mas não consideram como tal a mera referência à gravidade abstrata do crime.