O Brasil possui, atualmente, mais de 300 tratados multilaterais e bilaterais assinados que ainda não foram ratificados. Segundo dados obtidos pelo jornal O Estado de S. Paulo, por meio da Lei de Acesso à Informação, atualmente são 313 acordos sem ratificação. Desses, apenas 47 chegaram ao Congresso. De acordo com o jornal, há casos antigos, como o de uma convenção da Organização Internacional do Trabalho, de 1982.
De acordo com Alexandre Nassar Lopes, especialista em Direito Civil e sócio do Fragata e Antunes Advogados, a lentidão na ratificação dos tratados internacionais assinados pelo Brasil não está ligada à falta de capacidade ou morosidade do Poder Legislativo brasileiro na sua análise e aprovação. “O que ocorre de fato com muitos tratados é a falta de interesse político e econômico do Poder Executivo na sua ratificação. Isso porque a partir do momento que viram lei no Brasil, criam obrigações muito custosas para o Estado brasileiro e até mesmo para o setor privado. Algumas vezes implicam redução de barreiras tarifárias ou de outro tipo que resultariam no aumento da importação, afetando diretamente a balança comercial, empregos etc.”, afirma Nassar Lopes.
“Há casos em que a ratificação resultaria em obrigações inexequíveis para o Estado brasileiro, como as oriundas de acordos oriundos da OIT (Organização Internacional do Trabalho), e assim a imposição de multas elevadas, uma vez que o Executivo não possui estrutura para fiscalizar as condições de trabalho em todo o território nacional”, acrescenta o advogado. Ele explica, por fim, que embora a maioria dos tratados não seja —ou demore a ser — ratificada pelo Poder Legislativo, “não se pode dizer que a obrigação assumida pelo Estado brasileiro não se torne exigível. Mas o particular terá que se socorrer invariavelmente de tribunais internacionais para fazer valer seu direito, o que é muito caro para a maioria da população”.
Segundo a presidente da Comissão de Estudos de Comércio Internacional do Instituto dos Advogados de São Paulo, Carla Amaral de Andrade Junqueira Canero, a lentidão do processo legislativo deixa o Brasil “de fora das principais regras internacionais”. A Proposta de Emenda à Constituição 35/2011, chamada PEC do Fast Track, que acelera votaçãode acordos internacionais, diz ela, é de suma importância para garantir a credibilidade do Brasil no cenário internacional.
Como exemplo da insegurança jurídica criada pela atual demora, Carla cita o memorando pelo qual a presidente Dilma reconheceu a China como economia de mercado. “Esse acordo não foi ratificado internamente e, portanto, não é observado pelas autoridades de comércio exterior”, conta.
Atualmente, o processo de ratificação dos tratados assinados pelo Brasil começam pela assinatura do presidente. Depois, o documento é enviado ao Itamaraty, que faz a adequação da linguagem e a tradução. Em seguida, o tratado passa pela Casa Civil, onde é feita a análise jurídica. Então, o acordo é enviado à Câmara, onde passa por diversas comissões, e depois são encaminhados para o Senado.
Para o advogado Paulo Luiz de Toledo Piza, sócio do escritório Ernesto Tzirulnik – Advocacia, e professor de Direito Internacional Privado e Direito Civil na Universidade Presbiteriana Mackenzie, o rito para o reconhecimento de tratados internacionais no Brasil é relativamente longo, mas serve à soberania popular. “A aplicação do monismo absoluto (regime segundo o qual, em rápidas palavras, uma vez assinado, o tratado entra imediatamente em vigor na ordem interna do país signatário) frustraria o princípio democrático, segundo o qual as leis devem ser discutidas e aprovadas pelo povo ou seus representantes, reunidos no nosso caso no Congresso Nacional”, explica.
O advogado lembra que é preciso levar em conta que os tratados têm frequentemente o condão de alterar o ordenamento jurídico nacional, e não é porque resultou de uma conferência internacional que necessariamente consultará os interesses do país. “Além de embutir um juízo político de oportunidade e conveniência, a internalização de um tratado internacional não pode desconsiderar os impactos sobre o direito interno e como ele irá afetar a vida dos brasileiros e empresas aqui sediadas. Decerto isso demanda tempo, mas não convém que demore tanto.”